O PASTORIL PROFANO e as
NOVAS CORPORIFICAÇÕES
DO DESEJO
Um grupo de pescadores vestidos de mulher reinterpretam coreografias e músicas de uma manifestação folclórica do ciclo de festas natalinas da região. O pastoril dos homens se revela na libido, na farsa e no epistêmico. O Pastoril é, antes de tudo, uma representação do desejo de continuidade – pensando a construção da identidade de um povo que tem o tempo como medida – de algo que precisa ser preservado.

O grupo existe há decadas, mais ou menos o tempo em que começou a transposição da vila de pescadores à beira-mar para a periferia. Penso que o esforço de manter o grupo em atividade vem do desejo de afirmar a força de um povo que já perdeu tanto, que preservar é urgente.
Ao vivo, eles cantam as próprias composições que subvertem, como parodias, as letras originais do folguedo popular mais tradicional de Alagoas.
Mais: um vídeo com registros e entrevistas tenta documentar o pastoril dos homens de forma não narrativa, visto que a narrativa já está no próprio assunto, o vídeo não linear, propõe muito mais a experiência do que uma compreensão sistêmica do pastoril. São imagens que se atravessam como uma história contada ao contrário. Esse embaralhamento editorial funda uma memória líquida, fluida, talvez o vapor de uma lembrança da alma, do mar e do milagre.
Carlos Mélo